Vyšehrad, Praga, 3 de setembro de 2021 – Edição 42

Senado aprova PEC e Estados terão garantia de autonomia.
Assembleia Constituinte é considerada.

Após meses de tramitação, novo texto constitucional segue para apreciação do Imperador. Conteúdo federalista presente no projeto aprovado pela Dieta é remodelado para recepcionar sistema de devolução.

Viena.  Após duas noites de intenso debate entre os senadores, com direito a reviravoltas dramáticas a cada manifestação na tribuna em meio a uma efervescente discussão jurídica, termina a saga da tramitação mais demorada de uma proposta de emenda constitucional na história recente da Alemanha. A chamada “PEC do Federalismo”, que fora desenhada pela Coroa e encaminhada à Dieta de Bayreuth em maio e descansou dois meses no Senado à espera da pena do rei Jorge Augusto de Hanôver foi finalmente aprovada.

O projeto, na sua forma inicial, propunha reviver o sistema federal no Império (extinto em 2011) alterando a organização do Estado alemão que hoje é uma monarquia unitária organizada pela Constituição de 2015. Os seis estados alemães (Áustria, Baviera, Boêmia, Hanôver, Luxemburgo e Prússia) passariam a receber um rol de atribuições federativas partilhadas com o Reich – especialmente no âmbito da coesão social – e teriam, por consequência, também que cumprir com certas obrigações como garantir o bem-estar do indivíduo e sua participação cívica na coletividade alemã. Além de também consolidarem seus respectivos códices legais como forma de estruturar o governo estadual e prover seu funcionamento como ente autônomo do país, além de sujeitarem-se ao acompanhamento da Dieta que poderia, em último caso, propor intervenção nos casos de desalinhamento com a previsão constitucional.

A tramitação na Dieta foi célere. Um acordo interpartidário uniu federalistas (mentores espirituais da causa), tradicionalistas e democratas-cristãos na aprovação. Logo que o resultado fora promulgado, o então presidente, o rei Afonso Filipe da Batávia (hoje chanceler), cumpriu com o protocolo e entregou formalmente ao Senado o texto aprovado, gerando expectativas de que a tramitação na câmara alta pudesse ocorrer de forma breve.

Dada a complexidade que a proposta de emenda constitucional envolvia, alterando diversos dispositivos da Carta Magna alemã e adicionando outros, e sendo o Senado dominado por personagens de notório saber jurídico, um relatório da parte do senador sem direito ao voto (Hanôver), que também chefia o Judiciário Imperial, foi comissionado pela Mesa do Senado. A relatoria serviria para aperfeiçoar os aspectos técnicos do texto, propor adições ou mesmo sugerir a sua revisão e finalmente recomendar uma direção ao plenário (hoje formado por quatro senadores votantes). Isto ocorreu em meados de junho.

Então veio julho, depois agosto. O tempo passou e o relatório não veio, naturalmente acompanhado de quíntuplas justificativas (todas legítimas, é claro) para seu retardo. Novos prazos pedidos, novos prazos dados. Até que o orador do Senado, o arquiduque Vitor da Áustria, considerou que a matéria deveria seguir para a votação sem o relatório dado o tempo que aguardava receber o escrutínio dos senadores.

“Proponho a rejeição da emenda”

A convocação para a votação eletrônica ocorreu na noite do passado 31 de julho. Pelo menos dois votos já haviam sido depositados (Áustria e Boêmia) e como diria Zagalo “aí sim fomos surpreendidos novamente”. Ergue-se o rei de Hanôver pedindo a palavra. Procede à tribuna, silêncio no plenário, atenção plena na ação. Com sua característica voz de baixo-barítono e típico sotaque da Vestfália, comunicou a seus colegas senadores que não havia concluído os estudos necessários para a elaboração do esperado relatório por falta de agenda, mas que se o entregasse nas suas linhas recomendaria a rejeição do texto e a convocação de uma assembleia constituinte.

Após isto, com o Neue Burg (a sede do Senado em Viena) absolutamente em silêncio, prosseguiu com um rápido elenco de argumentos que fundamentavam sua decisão, dentre os quais o mais significativo compreendia que a “PEC do Federalismo” alterava a natureza do Império Alemão e isto deveria, por princípio ser objeto do poder constituinte. Daquele instante em diante o orador suspendeu a votação e nas 48 horas que se seguiram, o debate foi reacendido por argumentos de todo tipo provenientes dos senadores e até mesmo do imperador, afinal, haveria a possibilidade de revisarem os meandros do projeto diante da orientação recomendada pelo rei Jorge Augusto.

Alguns consensos foram, com o tempo, sendo gradativamente alcançados e chegou-se a uma fórmula que fosse mais prática – inclusive para encontrar um atalho mais curto para encerrar a questão – e lógica diante da atual natureza unitária do Império.

O plano desenhado foi que a Alemanha não se tornaria federativa como inicialmente pensou-se, mas preservaria as autonomias estaduais vigentes acrescidas daquelas presentes no projeto original sob o chamado estatuto da devolução. E tudo por força de que desde 2011 os Estados alemães são derivados do fons honorum do imperador que os comissiona através de Carta Imperial ou Diploma Nobiliárquico. Os Estados são autônomos por graça de Sua Germânica Majestade em termos pactuados entre o Reich e a ente estadual. O texto foi adequado para recepcionar o que fora acordado, a votação então foi retomada e nesta quinta-feira foi divulgado o resultado: aprovação unânime.

Nova Constituição

A complexidade da matéria aprovada pelo Senado é bastante justificada. O que estava sendo discutido na capital austríaca pelos senadores era nada mais que a refundação do país as vésperas de completar 19 anos e abrindo caminho para outras reformas sensíveis anunciadas em julho pelo imperador, dentre as quais, a conversão da Alemanha em uma monarquia eletiva.

O sonho de incorporar estruturas análogas ao Sacro Império Romano-Germânico, ao qual o atual Império Alemão é sucessor, remete aos primeiros tempos do Reich. Em passado recente isto ficou mais evidenciado com a nova bandeira adotada no ano passado, na qual a Águia Imperial repousa em ao centro de um campo ouro tal qual o antigo Estado predecessor. A própria criação da Ordem de Otto o Grande também reforça o espírito da ideia. Restava, agora, a última parte da reforma: instituir o sistema que ao longo dos séculos de existência do Sacro Império o tornava tão característico.

Para fins pedagógicos cabe dizer que o sistema adotado por aquele Estado difere do traço mais costumeiro das monarquias que conhecemos. No lugar da sucessão hereditária da coroa em caso de morte ou abdicação, o próximo sacro imperador era eleito por um colegiado formado por Príncipes Eleitores, monarcas vassalos do império que tinham a incumbência de decidir quem deveria receber o título de Rei dos Romanos e, posteriormente, ser coroado pelo papa, um gesto simbólico e político que confirmava o novo monarca como sucessor dos imperadores romanos de outrora.

Evidentemente que certos parâmetros do projeto anunciado pelo imperador na sessão solene do Parlamento Alemão em julho diferem em muitos ao que existiu na Germânia medieval. A Alemanha é um Estado laico, logo não poderia ser “sacro”; o título de Rei dos Romanos não seria reclamado em deferência ao Reino da Itália – embora alguém na Rússia tenha achado interessante ignorar esta ideia; os territórios tampouco seriam próximos daqueles império da Idade Média. Porém, o mais importante acontecerá: o sucessor de Guilherme Luis de Hohenzollern, quando este deixar a Coroa de Rodolfo II, será eleito, algo que poderá inclusive aumentar em alguns anos o tempo na fila para o príncipe Douglas da Baviera vestir a regalia imperial.

A medida exigiria uma nova emenda constitucional e se somaria a outras propostas que estão sendo ventiladas no Senado. Considerando a enormidade de alterações na Carta de 2015, tornou-se afinal oportuno que uma nova constituição fosse escrita já acomodando todos as intenções desta que é chamada por alguns como a Grande Reforma. Inicialmente estimava-se que tal ocorreria no próximo ano como parte das comemorações do Jubileu de Porcelana (20 anos) do Império, mas diante das circunstâncias produzidas pelo mandatário hanoveriano no Senado, aceitou-se antecipar para 2021 o início do processo reformista. Não há informações concretas quanto ao cronograma, mas para a Mesa do Neue Burg tudo dependerá do ritmo de elaboração de um rascunho preliminar completo para então a Constituinte ser convocada pelo imperador.

“Prefiro que o Kaiser vete esse ‘Frankenstein'”

Minutos após a publicação do texto aprovado, o Governo fez sua primeira manifestação em desagravo à decisão do Senado. Nas palavras do chanceler imperial, o rei Afonso Filipe da Batávia, o texto aprovado seria um emaranhado de remendos que descaracterizou o projeto aprovado pelos deputados de Bayreuth.

Co-fundador do Partido Federalista (FPDV) ao lado do rei Venceslau da Boêmia (que votou favoravelmente à emenda no Senado), o chanceler é um franco entusiasta do fortalecimento das autonomias estaduais e agora assumiu posição de franco-atirador em relação à nova redação constitucional que aguarda promulgação do Nymphenburg. Embora tenha expressado que não fortalecerá polêmicas contra o texto, sua compreensão foi de que o estatuto de devolução não garante a proteção da autonomia dos Estados (intuito original de um modelo federal), pois mantém o status quo em que o imperador pode, consultando o Senado, extinguir um ente estadual. O mesmo argumento foi ecoado pelo ministro do Interior, barão Gustavo de Mulhouse, líder da Aliança Democrática-Cristã (CDA).

Até o presente momento nenhum partidário da União Popular Tradicionalista (TVB), cujo programa defende o adensamento do unitarismo, fez qualquer comentário sobre os comentários do chanceler na praça pública.

Vá com Deus!

Outra medida aprovada sem grande repercussão pelo Senado foi a revogação do artigo 14 da Constituição, o qual previa formalmente uma relação entre o Império e Igreja Católica alemã em que o imperador escolhia o arcebispo de Magúncia. O dispositivo fora criado a doses generosas de lítio e água benta por alguém que não vale a pena lembrar e ficou pendurado na Constituição até então. Mas agora nem ele e nem seu artigo existem mais, felizmente. Em tempo, a medida não afetou a liberdade de culto na Alemanha.