Vyšehrad, Praga, 2 de junho de 2020 – Edição 36

Editorial: Estados eslavos em busca do estado de arte

Edição comemorativa do Dia do Pan-Eslavismo

Hoje completam-se 172 anos desde a abertura do primeiro encontro de delegados representando as nacionalidades de origem eslava. Tratava-se do Congresso Eslávico, reunido entre 2 e 12 de junho de 1848, em Praga. A data e o contexto daquele evento foram profundamente marcantes em termos históricos, considerando que tenha ocorrido em meio à chamada Primavera dos Povos. Mas a despeito do seu valor simbólico de promover a fraternidade de grupos nacionais de familiaridade cultural, a reunião também expôs as naturais divergências políticas que envolviam a todos em uma época de grandes desafios e contrastes. Ainda assim, guardadas as devidas proporções, foi um momento primaveril para os eslavos e o ensaio inicial para o internacionalismo pan-eslavista.

Transcorrido mais de um século e meio de mobilização desde a Primavera e tendo avançados os recursos e produtos tecnológicos, o sonho dos precursores do primeiro Congresso ainda continua a mover gerações de descendentes e admiradores deste fascinante universo cultural. E foi numa das esquinas da vida que o pan-eslavismo cruzou o caminho do micronacionalismo.

Atendo-se ao recorte plausível, o pan-eslavismo se constitui como uma das diversas ramificações que o modelismo histórico foi capaz de fomentar paralelamente aos demais modelos culturais que se originaram na Lusofonia ao longo dos anos, como o lusitanismo, o germanismo, o italianismo, o helenismo, dentre outros. São inúmeras as expressões e termos classificatórios que talvez nem sequer foram apropriadamente convencionados, mas é fato que são manifestações que exprimem a redescoberta do valor histórico destes conteúdos por um público interessado por seus respectivos simbolismos. E à medida que o interesse se amplia é comum vermos a mobilização em favor do estudo, pois o que talvez melhor caracterize o modelismo histórico é a sua assombrosa demanda por pesquisa em fontes cada vez mais específicas, não sendo raros os gargalos acadêmicos, bibliográficos e linguísticos neste processo.

A plausibilidade, a razoabilidade e a verossimilhança são aspectos manifestos na legitimação dos projetos nacionais histórico-modelistas, além, é evidente, dos demais elementos constituintes para a inserção de um Estado no concerto internacional. Não são projetos tão versáteis ou com ampla plasticidade como aqueles inscritos em outras modalidades micropatriológicas, embora não seja correto tachá-los como engessados, arcaicos ou ilegítimos (como aspiram certos ideólogos). Quanto mais amplo é o domínio sobre os aspectos constituintes de seu universo simbólico, melhor é a performance executada por um projeto nacional, e por lógica, quanto maior for a integração entre projetos de escopo semelhante, maiores serão as probabilidades de partilharem resultados benéficos. É nesta perspectiva que se insere o pan-eslavismo na Lusofonia de 2020.

Formalmente falando, sem desejar incorrer em polêmicas ou controvérsias, estão mapeados seis projetos nacionais de cultura eslava. Destes, quatro são independentes (Báltico, Bulgária, Iugoslávia e Rússia), um é ente federado de uma união de estados (Boêmia) e outro é, na falta de termo melhor, um aspirante à independência ou um Estado dissidente (Polônia-Lituânia). Cada um destes se situa em um momento diferente de seu processo de consolidação. Alguns sendo ainda unipessoais e outros congregando pequenos coletivos, de geralmente três habitantes; também adotam estruturas políticas diversas, embora sejam formalmente autocracias que buscam ancorarem-se no Estado de Direito. Também existem aqueles que ensejam por maior reconhecimento de sua capacidade e enfrentam as limitações que lhe são costumeiras aos contextos nos quais estão inseridos, mas todos buscam afinarem-se como representantes legítimos de uma identidade cultural. E estão sempre se observando curiosa e respeitosamente.

É temerário afirmar quem alcançará o estado de arte, o nível absoluto de excelência. Isto se considerarmos ser possível alcançar tal patamar, embora o texto caia bem como recurso retórico e satisfaça ao ego (“nacional” e “pessoal”, caso realmente possam existir separadamente no micronacionalismo). De toda a forma, a superação contínua aos limites diversos que a realidade lhes impõem será, seguramente, o troféu almejado por todo aquele que se declare um modelista histórico. A barreira linguística, a escassez de fontes de pesquisa, a falta de familiaridade com os saberes acadêmicos fundamentais, a legitimação político-jurídica, a falta de perspicácia diplomática, dentre outros aspectos possíveis, podem retardar o processo de autoafirmação, mas nunca incapacitá-lo definitivamente de existir. Caberá à cada liderança tomar consciência de suas vulnerabilidades, enxergar nichos seguros que possibilitem sua sustentabilidade autônoma e abraçar o diálogo nas questões em que somente a política e não a delinquência ou indiferença poderá resolver.

As nacionalidades eslavas talvez não alcancem o estado de arte como talvez gostariam, mas ao aceitarem abraçar a ordem internacional e seus aspectos fundacionais, e a engajarem-se pelo caminho do aprimoramento institucional e do diálogo político, seguramente também abraçarão o mesmo espírito de fraternidade e internacionalismo que rondou as ruas de Praga no século XIX e talvez possam experimentarem o alvorecer de sua própria primavera, uma primavera pan-eslavista.

Hej, Slované! Hej, Sloveni! Хей, Славяни! Гей, Славяне! Hej Słowianie! Hej Slaveni!