Vyšehrad, Praga, 24 de maio de 2020 – Edição 35
Entrevista: Sua Majestade o Imperador
O Palácio Nymphenburg autorizou a entrada de nossa equipe para uma exclusiva entrevista com o imperador Guilherme III na sede da monarquia alemã, em Munique.
Vyšehrad Noviny: Majestade, circulam entre diplomatas e no meio jornalístico alguns sussurros, que volta e meia ressurgem, chamando a Alemanha de uma força imperialista ou que se comporta como um Estado que interfere em assuntos domésticos de outras nações. Uma pecha que no passado foi muito associada a Reunião. O que o Senhor opina diante destas alegações? O Reich é uma ameaça para a segurança internacional?
Guilherme III: Obrigado ao Vyšehrad Noviny pelo gentil convite a esta entrevista. Todo Estado na história que tentou trazer perturbação ao sistema internacional atribuiu alcunhas detratoras àqueles que buscaram conservar este sistema mas que, capazes de fazê-lo em nível qualitativamente superior, ocasionaram que fosse também recurso dos Estados revolucionários a promoção de ataques contra suas características ou ações públicas que fossem carregados de rasa articulação política ou intelectual. Resume-se a um embate ideológico para além do político por que com ilusões essas forças nos distraem da destruição que pretendem empreender.
É importante notar aqui que toda manifestação alemã no cenário internacional sempre foi atenta a decisões de outros Estados que possuíam implicações claras sobre as relações internacionais lusófonas – com exceção do questionamento levantado sobre a constituição egípcia alguns anos atrás, que se atinha à proteção de direitos humanos. Jamais questionamos publicamente eventos ou acontecimentos de foro exclusivamente domésticos.
No estudo das relações entre Estados, mais especificamente na área da análise da política externa, Robert Putnam estipulou que a política internacional é, na verdade, interméstica, porque interage de forma dinâmica entre os ambientes doméstico e internacional. Possui, assim, dois níveis: o segundo, interno, se atém à forma como a decisão de projeção internacional foi construída pelas engrenagens domésticas; o primeiro, externo, dá importância à tática e à barganha dos negociadores no sistema internacional. Nesse paradigma, os potenciais ganhos vislumbrados pelos atores domésticos é que orienta, por fim, a decisão entregue pelo Estado à comunidade internacional.
Isso posto, é fácil perceber como o nexo entre o doméstico e o internacional pode ser distorcido para atacar a Alemanha e atribuir-lhe um papel que de fato nunca exerceu, isso é, de interferir nos assuntos domésticos dos diferentes Estados lusófonos. Aqueles que nos acusam de atuar dessa forma na verdade o fazem porque qualquer política ou decisão internacional que seja objeto de comentário público pelo Império resulta de articulação de suas forças domésticas – afinal, essa é a natureza do Estado. Isso é, toda ação de política externa obviamente passa pelos processos de tomada decisão domésticos, enquanto as ações exclusivamente domésticas ficam circunscritas aos fluxos internos de cada país e não se projetam ao estrangeiro. A Alemanha não é e nunca foi uma ameaça à ordem internacional. Quem se propor a analisar nossos posicionamentos ao longo dos últimos cinco anos vai perceber um claro comportamento completamente direcionado à preservação da ordem internacional e sua balança de poder, e não um movimento de perturbação ou revolução dessa ordem.
VN: Diante destas ponderações, então, o Senhor consideraria que a forma como a diplomacia é entendida ou praticada na Lusofonia não tenha amadurecido o suficiente para perceber a natureza e dinâmica deste campo? O que faltaria à diplomacia lusófona e o que a Alemanha poderia contribuir nesta lacuna?
Guilherme III: O divisor de águas entre uma diplomacia imatura e fanfarrona que se prende a adjetivos para preencher extensos comunicados que na verdade não possuem qualquer conteúdo prático, e as relações internacionais que exercem uma política externa orientada a objetivos e que procura estabelecer para si um conteúdo que de fato crie novos paradigmas para a cooperação internacional é simplesmente a forma como os tomadores de decisão se comportam. De um lado, qualquer ação internacional é levada como ataque pessoal e dá lugar a uma sucessão de impropérios tóxicos que não contribuem com nada para o micronacionalismo; do outro, há o diplomata profissional que é consciente dos objetivos e parâmetros que o Estado que representa estipulou como fundamentos de sua política externa, e que não descamba à baixaria quando confrontado com ela. A questão é essa: o operador de relações internacionais precisa decidir se vai trabalhar com o fígado, assumindo qualquer movimento que lhe contrarie como uma afronta pessoal, ou se vai se profissionalizar, entendendo que as relações internacionais acontecem entre unidades estatais que se configuram pra além dos brios individuais.
VN: Sendo a diplomacia fundada em princípios esclarecidos e uma prática doméstica significativa, quais são os pilares da ação internacional alemã?
Guilherme III: Existem dois eixos gerais que orientam a política externa alemã.
O primeiro é a conservação da ordem internacional orientada sem inovações pela preservação das soberanias nacionais, que tem como principal vetor de perturbação as questões territoriais. Nossa posição é que qualquer projeto que se localize geograficamente no mesmo plano – digamos, o nosso planeta – deva respeitar a soberania dos Estados ali presentes de forma absoluta. Nossa atuação internacional nesse sentido tem sido sempre de questionar avanços que violem a integridade territorial de Estado preexistente, principalmente na Europa que é o nosso lar.
Existem em andamento esforços que tentam se afastar da territorialidade através da digitalização para organizar a construção disfarçada de países modelistas com a ajuda direta de arquétipos estatais legados pela historiografia. Por exemplo, a nova tentativa de se instalar os Países Burgúndios está equidistante tanto do derivatismo quanto do modelismo. É derivatista porque se afasta da territorialidade, mas é modelista porque, ao tentar causar espetáculo político, bebe na História Europeia para configurar sua persona. Além do próprio nome do país, isso também se demonstra pela lista de títulos de seu líder, que faz referência a regiões dos Países Baixos: ora, se é uma micronação original – no sentido dos textos de Mauritstad e de Santiago – qual o objetivo em assumir para si claras referências territoriais europeias? Isso nos apresenta uma nova problemática, que é a disseminação de uma prática de statecrafting que é modelista, apesar de não confessar a isso, e que invade a configuração territorial e cultural de outros projetos preexistentes.
Em segundo lugar vem a promoção do multilateralismo. Nossa história está repleta de exemplos em que aderimos a mecanismos internacionais, desde 2002. Fomos ou somos parte da Organização das Micromonarquias Lusófonas, da Organização Latino-americana de Micronações, da Organização das Micronações Unidas, da League of Micronations, da League of Secessionist States, da Splendid Union of Microstatia, da Liga das Micronações e agora da Comunidade de Microestados Lusofonos. Da mesma forma, através dos Tratados do Neuschwanstein e de Füssen, conseguimos, a Alemanha e nossos vizinhos europeus, pacificar as relações regionais em um modelo nunca visto antes, com mecanismos estabelecidos democraticamente. O micronacionalismo lusófono pode sempre contar com suporte técnico e apoio político alemães quando o assunto for qualquer iniciativa que caminhe em direção à cooperação internacional e promoção de espaços comuns de interação diplomática.
VN: Majestade, tem havido alguns debates sobre as naturezas micropatriológicas dos Estados. Nisso, termos como modelismo histórico, derivatismo, simulacionismo e outros tantos equivalentes aparecem em jornais, discursos e notas diplomáticas. Como o senhor encara este debate? Ele impacta, de alguma maneira positiva, o manejo das relações diplomáticas pela comunidade internacional?
Guilherme III: Essa questão se relaciona com as respostas que dei às duas perguntas iniciais. Existe em curso uma tentativa ilusória de se cindir o micronacionalismo lusófono que se baseia nesses desenvolvimentos acadêmicos de forma a autorizar seus seguidores a violar a personalidade de outros países ignorando sua soberania ou os elementos característicos de sua constituição.
Trazendo ao tema a imaturidade dos operadores interacionais que mencionei anteriormente, é bastante fácil perceber que esse movimento de cisão é dirigido por elementos que não possuem inteligência emocional ou empatia suficientes que lhes habilite a circular dentre a lusofonia de uma forma positiva, como construtores de entendimento. São agentes do dissenso que procuram vassalos no lugar de aliados, que ofendem e que agridem gratuitamente, e que permitem que seu pundonor invada a esfera política. Falta-lhes, assim, capacidade para entender a diferença e com ela conviver.
Bruno Cava dedica em seu Micronacionalismo Lato Sensu – que por sinal é utilizado em parte como bibliografia obrigatória para as tentativas de cisão que ora presenciamos – capítulo inteiro ao estudo das classificações acadêmicas de estados micronacionais. Traz ali diversas acepções desenvolvidas ao longo de décadas por autores de diversas fonias, e que nos permitem compreender como o pensador acadêmico percebe o exercício do micronacionalismo. Cava contudo abre as duas seções sobre a taxonomia micronacional com o aviso óbvio de que o esforço pela classificação não pretende “cisalhar arbitrariamente a realidade”. Vale inclusive citá-lo: “Quando se classifica, se distingue atributos, mas em nada se pode supor que passam ser coisas totalmente diferentes, separadas.” (pg. 43) O embate, então, decorre do fato de que estes países revolucionários possuem a consciência de sua própria incompetência para conduzir relações saudáveis com a lusofonia, e ao invés de buscar uma reorientação de sua prática, procuram atribuir uma alteridade antagonista ao grupo de Estados a que são hostis. Não há nada de novo nisso: a prática já foi vista e tipificada com a análise dos laboratórios fascistas da primeira metade do século XX.
VN: Existem falas críticas ao Congresso de Füssen que o pintam como um aparelho que, de forma análoga à conduta dos Estados que o Senhor qualificou como revolucionários, estaria também produzindo cisão no modo como o micronacionalismo é exercido na Lusofonia. Como Vossa Majestade rebate a tais críticas? E aproveitamos para lançar mais uma pergunta nesse ensejo: Como o Congresso de Füssen se articula no sentido de não ser confundido pelo senso comum como um clube elitista?
Guilherme III: Essas críticas são bastante ignorantes e infundadas. Em momento algum foi intenção dos estados europeus integrantes do sistema Füssen cindir o a lusofonia. É importante relembrar que há poucos anos a Europa estava tomada por conflito e desconfiança em função de uma série de movimentos que colocaram em situação de antagonismo alguns dos mais tradicionais atores do continente. Nessa chave, os Tratados do Neuschwanstein e de Füssen foram discutidos democraticamente com nossos aliados e parceiros para que pudéssemos normalizar as relações europeias e inaugurar um novo paradigma para a região. Da parte da Alemanha, consideramos que ambos os mecanismos seguem sendo um sucesso em seus objetivos primários – a segurança e a preservação da integridade de cada membro – bem como naqueles secundários, como a integração social e cultural. Por exemplo, além de reuniões semanais focadas na segurança e estabilidade do continente, estamos prestes a lançar a Agência Europeia de Notícias que servirá como portal consolidado para as veículos noticiários de todos que os países envolvidos no Congresso postem à vontade seus materiais. O monarca iugoslavo, além disso, deu a notícia hoje mesmo que encontrou ferramentas interessantes para inaugurar o funcionamento da Agência Cartográfica sediada na França, o que é também ótima notícia.
Com relação à segunda pergunta, cabe ressaltar que só acha que o Congresso seja elitista, seja por ignorância, malícia ou inveja, a pessoa que não está nele e portanto não tem visibilidade sobre o que acontece. Nossos procedimentos tem buscado sempre apreciar os posicionamentos e demandas de todos os membros, abrangendo uma série de questões securitárias que envolvem, por exemplo, Rússia, Portugal e Alemanha. Além disso, essas acusações estão no bojo de uma série alegações intriguistas contra a Alemanha que são movidas por indivíduos desocupados e descontentes por isso ou aquilo outro, e que não possuem envergadura política ou moral para construir algo por conta própria. Não devemos perder tempo prestando atenção a essa minoria barulheira.
VN: Majestade, o senhor poderia elencar quais serão (caso as tenha já definido) as prioridades da agenda alemã para os próximos meses em relação ao cenário internacional?
Guilherme III: São duas as nossas prioridades imediatas: primeiro, dar continuidade ao processo de consolidação da cooperação instalada pelo sistema Füssen para a Europa, seja através da atuação direta do Congresso, seja pelo fortalecimento de suas instituições subsisdiárias; segundo, colaborar com o Secretariado da CML para lançar as plataformas oficiais da casa, principalmente seu fórum, para que os assuntos possam ser tratados de forma mais organizada e menos difusa. Seguiremos por cima desses dois pontos com nossa atuação incisiva, apontando anomalias no sistema internacional e tentando buscar soluções para corrigi-las. Nosso papel é fundamental na lusofonia para que se promova um entendimento sobre os meandros das relações internacionais, e agora como nossos parceiros na Europa, na Comunidade de Microestados Lusófonos, temos a certeza que a responsabilidade pela conservação da estabilidade e amenização de ansiedade esteja compartilhada com a maioria dos excelentes Estados presentes nessas organizações e em toda a lusofonia.
VN: Majestade, agradecemos pelo seu tempo e pela oportunidade de nos receber para esta entrevista.
Guilherme III: Agradeço ao jornal pela oportunidade e desejo bons frutos a seu trabalho no Estado boêmio.