CONTEÚDO

1. Editorial

2. Entrevista: Imperador Alemão

3. Artigo: Estudos Macronacionais

Editorial

Firme em seus objetivos, o Instituto Wagner lança hoje a Valkyrie, sua revista oficial. O objetivo da publicação é servir de instrumento para a consecução das metas do Instituto, e levar à lusofonia informações relevantes sobre a praxe micronacional. Nesse sentido, procuraremos trazer a participação dos principais micronacionalistas de nossa época, com artigos de opinião e entrevistas que abordem os mais variados assuntos.

Em nossa primeira edição, trazemos uma entrevista com o Imperador Guilherme da Alemanha, que fala sobre os quinze anos de história do Império e também nos apresenta suas observações a respeito do estado de nossa comunidade internacional.

Além disso, Sua Majestade contribuiu com um artigo de estudos macronacionais, que trata sobre os processos que levaram à unificação da Alemanha em 1871, e discorre também sobre o impacto desses processos na política externa do continente Europeu.

A equipe da Valkyrie trabalhará para apresentar sempre conteúdos consistentes e interessantes. Esperamos que nossos leitores apreciem o conteúdo da edição inaugural.

A Edição

Entrevista: Imperador Alemão

Pouco mais de um mês após sua fundação, o Wagner-Institut traz a comunidade micronacional os frutos de seu trabalho. Hoje, trazemos uma entrevista com Sua Majestade Imperial Guilherme III Luís, imperador alemão e um dos monarcas lusófonos a mais tempo no trono.

Nos últimos anos, incontáveis micronações emergiram, ao passo que não poucas desapareceram. O Império Alemão, pelo contrário, se mantém vivo e ativo, completando 15 anos no último 17 de outubro. A que se deve essa considerável presença na linha do tempo-espaço da lusofonia?

Perseverança. Ao longo desses quinze anos, o Império passou por muitos períodos de atividade retraída, mas a Casa Imperial sempre permaneceu presente e atuante dentre a comunidade lusófona. Nós tivemos a sorte de aderir ao micronacionalismo no período de ouro da lusofonia, e, assim, pudemos aprender com renomados micronacionalistas e Estados célebres. Sofia, Normandia, Reunião, Kelterspruf, Orange, Campos Bastos, Itália, Pathros, todos esses países produziram cidadãos de quem pudemos absorver conhecimento suficiente para manter o país funcionando.

O ponto principal é compreender que um Estado micronacional não é um projeto imediatista, feito para gerar efeito no curtíssimo prazo, não. A consolidação de um Estado e, com ela, das ideias e ideais que esse Estado representa, leva tempo. A Alemanha não ficou conhecida em dois meses, nem reconhecida em seis meses. A construção da identidade de um país demanda tempo, esforço, inteligência e paciência. Hoje em dia, a maior parte dessas qualidades está em falta.

O grande problema é que a maioria dos novos micronacionalistas valorizam o poder por si só e não estão interessados em produzir algo que faça a diferença, que de fato faça com que seu país obtenha reconhecimento. E essas coisas não são feitas a toque de caixa. Cada movimento deve ser pensado, relações devem ser construídas e ações devem ser desenhadas com objetivos claros em mente.

Vossa Majestade ressaltou a importância de criar projetos que agreguem diferenciais ao micromundo. Nesse sentido, qual é o diferencial do Império Alemão?

Externamente, a atuação da Alemanha é voltada para o fortalecimento do sistema internacional e dos instrumentos de Direito Internacional lusófonos. As maiores iniciativas diplomáticas dos últimos anos foram lideradas pelo Império. A criação da Liga das Micronações foi um passo importante para trazer harmonia ao nosso subsistema, enquanto a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados e a Convenção de Berlim sobre Micronacionalidade foram documentos importantes que trataram de tópicos relevantes.

Nosso Governo é reconhecido pela eficiência e a qualidade de seus atos e da forma como se comporta diante da comunidade, sendo exemplo para todos os demais Estados.

Com o passar do tempo, grandes micronações lusófonas foram definhando, trazendo à tona o fantasma da inatividade. Inclusive, recentemente, Reunião foi suspensa da Liga das Micronações por não comparecer a quatro votações na Assembleia-Geral, o que pode caracterizar uma passagem desse fantasma em Reunião.

O Império vem tomando medidas para manter sua atividade?

O que diferencia a Alemanha do restante dos estados oscilantes, ou mesmo dos que desapareceram, é que a Casa Imperial jamais deixou de estar ativa. A presença de uma liderança forte é indispensável para a continuidade do Estado, e para assegurar que esse Estado possa atravessar períodos de Crise. Vemos isso também na Itália, por exemplo, e, em uma medida menos incisiva, em Porto Claro.

Nos últimos seis meses, a Casa Imperial convocou o parlamento por duas vezes, com o intuito de gerar dinâmica doméstica para manter os alemães interessados. Na atual sessão do parlamento, estamos votando medidas importantes para que essa dinâmica seja aprofundada, com a reforma do sistema partidário e do poder judiciário. A entrada de alguns cidadãos novos também é importante porque vem povoar outros estratos importantes da sociedade alemã e traz vozes novas ao Império.

Além disso, nunca fomos mais presentes na comunidade lusófona. O portal do império publica notícias com frequência quase diária, e tem sido visitado por cada vez mais micronacionalistas. Para ilustrar, em junho tivemos 255 acessos ao portal, que pulou para 587 em agosto e 1.144 em outubro, o que representa um aumento de 349% na visibilidade do Império e é um reflexo direto da atuação de todas as esferas do Governo, mas, em particular, da Casa Imperial e da Secretaria Imperial de Relações Exteriores.

Por falar na Secretaria Imperial de Relações Exteriores e na sua participação para o aumento da visibilidade do Império, partiu dela a criação do Wagner-Institut, ao qual esta revista pertence. Qual é a importância do Instituto para o Império e para a comunidade micronacional?

A atuação do Instituto ainda está incipiente, mas a ideia por trás dele é servir como um vetor pelo que fluam ideias de aperfeiçoamento da praxe micronacional pelos novos Estados que povoam a lusofonia. O objetivo da agência é servir como fonte de referência de boas práticas micronacionais, também mostrando para esses Estados quais práticas o Império adota para si.

Recentemente o Império vivenciou um pico de atividade com a chegada de vários novos cidadãos e trabalhos intensos na Dieta Imperial. Concomitante a isso, a recém estabelecida chancelaria imperial dava sinais de inatividade, o que culminou na derrocada de seu líder, o ex-chanceler Gustav Otto, através de um longo processo de moção de desconfiança, iniciado no dia 7 do mês passado. Como a Coroa enxerga essa situação?

A moção de desconfiança, como mencionou o presidente do parlamento, deputado Ulrich Egon, é algo inédito nesses quinze anos do Quarto Império. Além disso, marcou outro fato inédito: o governo alemão mais curto de nossa história recente, com 75 dias. Antes disso, o chanceler com menor período de mandato foi Kurt von Schleicher, que governou por 56 dias até janeiro de 1933, período negro: véspera do início da ditadura nazista.

Embora a princípio isso possa parecer negativo, o fato de que a iniciativa da demissão do chanceler Gustav Otto tenha partido da Dieta Imperial, em pleno exercício das previsões constitucionais, na verdade demonstra o amadurecimento do sistema político alemão e evidencia seu caráter democrático. É claro que a Casa Imperial teria preferido que o agora ex-chanceler houvesse exercido sua posição de forma mais eficiente, mas a Dieta Imperial cumpriu seu papel de forma correta.

De toda a forma, como mencionei antes, a reforma do sistema partidário e os movimentos que estamos percebendo atualmente no Império parecem demonstrar que a sociedade está mais disposta a se movimentar politicamente.

A diplomacia alemã sempre se destacou pela forma eficiente e vigorosa com a qual costuma trabalhar. Isso pôde ser observado durante a “Questão Suíça”. A grande pergunta é: Por que uma intervenção tão enérgica em prol de uma micronação esquecida e por muitos desconhecida?

Importante ressaltar dois pontos que fundamentaram a resposta alemã ao movimento francês. Primeiro, quando a Áustria-Hungria, que possui relações mais estreitas com o Reino da Suíça, foi integrada à Alemanha em 2006, foi feita a provisão de que a Suíça pudesse optar por seguir o caminho e fazer o mesmo. Isso é, havia uma disposição válida de direito internacional que dava à Suíça a faculdade de integrar-se ao Império Alemão, se desejasse.

Em segundo lugar, a justificativa francesa para a anexação da Suíça foi a afinidade do projeto francês com a constituição linguística suíça. Ora, isso é uma bobagem sem tamanho. A Suíça é majoritariamente germânica, como demonstramos durante os embates que aconteceram naqueles dias, e nossa atuação partiu do pressuposto de que cabe ao Império Alemão a defesa inequívoca de todo o mundo germânico.

Naquele momento, os arquitetos da política francesa, buscando justificar sua autopromoção à categoria de império, tentaram anexar a Suíça para corroborar essa evolução no caráter de sua formação. O erro foi tentar penetrar em uma região que tem muito mais afinidade cultural com o Império Alemão do que com a própria França. Lutamos pelo que era direito e vencemos.

Outro exemplo da vivacidade da diplomacia alemã é a atuação na mediação da disputa pelo trono português. Diferente do caso da Suíça, ainda não foi resolvida. A que se deve tanta demanda de tempo?

Quando Alemanha e Maurícia retomaram relações diplomáticas no início deste ano, deixei claro ao Stadhouder Lucas que a questão com Portugal precisava ser resolvida. Conversei com ele ao telefone, e também com Sua Majestade portuguesa, e ambos aceitaram que a Alemanha mediasse a questão.

Enviamos proposta substitutiva ao tratado de reconhecimento proposto por Maurícia a Portugal em que nos colocamos como garantidores do tratado, o que foi ignorado por Portugal. Existe em Lisboa um sentimento hostil muito forte contra Maurícia que impede que decisões sejam tomadas de forma pragmática. Importante salientar que a Alemanha continua sendo veementemente contra a posição maurense de reclamar a coroa portuguesa, mas, para que o conflito se resolva, é preciso que todas as partes estejam dispostas a dialogar de forma racional.

Nos retiramos do processo de mediação justamente porque não estávamos encontrando cooperação suficiente por parte do Governo Português, e desde estão não temos tido notícia sobre essa questão.

A Liga das Micronações, da qual Vossa Majestade é Secretário-Geral, poderia exercer uma voz mais ativa na comunidade micronacional, principalmente quando conflitos como os citados vierem à tona. Não seria esse um momento oportuno para a Liga liderar a mediação e buscar uma resolução definitiva para esta questão, exercer assim um protagonismo maior?

O problema é que Maurícia e Portugal não fazem parte da Liga das Micronações, o que, em certa medida, diminui sua legitimidade para colaborar na questão. Por outro lado, o Estado alemão possui relações históricas com Portugal, desde 2002, e também tem acesso ao Governo Maurense, de forma que a mediação por parte da Alemanha parece mais conveniente que pela Liga. De toda a forma, é, sim, importante que a Liga se mantenha em posição de protagonismo em relação a todas as questões lusófonas, para que sirva de instrumento de construção de uma comunidade internacional mais sadia e livre de hostilidade.

Em nome do Wagner-Institut, agradeço a Vossa Majestade Alemã, pela esclarecedora entrevista. Foi uma honra tê-lo como nosso primeiro entrevistado.

Artigo: Processos de formação do Império Alemão e as implicações da política externa imperial nas relações europeias

Guilherme Luis, Imperador Alemão
Estudos Macronacionais

INTRODUÇÃO

O presente artigo procura, em uma primeira parte, apresentar de forma sucinta os processos históricos que culminaram na fundação do II Reich Alemão, assim como explorar os mecanismos adjacentes que propiciaram, nas décadas que se antecederam à fatídica declaração na Grande Galerie do Palácio de Versalhes em 1871, a promoção da integração econômica, política e social da maior parte do que se tornou o Império Alemão, e, segundamente, discorrer brevemente sobre o impacto da diplomacia imperial nas relações europeias no fim do século XIX e início do século XX.

O persistente dilema das relações europeias continentais que diz respeito à Mitteleuropa se resume essencialmente à análise geopolítica prevalecente de que permitir a reunião dos povos e estados daquela região sob uma única entidade forte e centralizada representava uma ameaça permanente aos vizinhos, em particular à França, que buscou, ao longo de sua história, tanto enfraquecer os estados germânicos, através de Richelieu, influenciando negativamente os acontecimentos na região e transformando-a em objeto permanente de sua tentação, quanto, ao ter aí falhado, promover um encirclement diplomático que de fato se opusesse à capacidade alemã de lhe agredir. Por outro lado, a ausência de uma instituição que promovesse a coordenação dos estados alemães, permitindo que se mantivesse a região numa forma solta e mais ou menos desorganizada, tendeu sempre à transformar aquela região em campo de batalha, onde as potências vizinhas competiriam pela hegemonia no continente, havendo inúmeros exemplos de incursões francesas, russas e até mesmo suecas, cujos governos procuravam expandir-se adentro do rico território germânico como forma de fomentar sua projeção na Europa e, assim, no mundo.

A sucessão de arranjos institucionais que tem início com o Congresso de Viena estabelece a coleção de engrenagens políticas que viabilizam a interação entre os inúmeros estados germânicos no âmbito de diferentes organizações, como a Confederação Alemã de 1815-66 e o Zollverein, por exemplo. Além disso, é importante salientar os componentes culturais que surgem no contexto dos processos de integração, que efetivamente colaboram no estabelecimento do orgulho nacional alemão antes mesmo de que o próprio estado-nação se houvesse formado. A música de Richard Wagner, invocando figuras míticas que incorporavam a força germânica e faziam justiça ao orgulho alemão, introduz dentre a sociedade alemã um anseio nacionalista que se alinha aos desígnios da elite e facilita sobremaneira o esforço político e militar que se empreendeu ao longo de sessenta anos no sentido de alcançar a efetiva unificação.

Otto von Bismarck assume a chefia de governo do Reino da Prússia trazendo ao gabinete o peso de sua persona, e comandando, a partir de 1862, os principais eventos de política externa que afirmaram a hegemonia prussiana sobre o mundo germânico em detrimento da Áustria e estabeleceram a Alemanha como potência continental na Europa. Sua incrível habilidade e visão no gerenciamento dos negócios estrangeiros do Império permitiram a Berlim administrar as relações diplomáticas europeias através de uma intrincada rede de alianças que constituíram a balança de poder que viria assegurar a paz na Europa até 1890, ano em que deixou a chancelaria do Reich. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, substituiu a Realpolitik bismarckiana pela conduta agressiva e mal calculada que se convencionou denominar Weltpolitik, que desembocou na Primeira Guerra Mundial e consequente abolição do império.

A CONFEDERAÇÃO ALEMÃ DE 1815-66 E O ZOLLVEREIN

As derrotas austríacas nas mãos de Napoleão em 1805 que ocasionaram a dissolução do Sacro Império Romano e sua substituição pela Confederação do Reno (1806-13) que, em verdade, era um protetorado francês, deixou os estados alemães sem uma entidade que os organizasse.

O Congresso de Viena, que logrou organizar, após a derrota final de Napoleão, a balança de poder europeu de forma a trazer estabilidade para o continente, estabeleceu em 1815 a Confederação Alemã, que incluía quase quarenta estados germânicos e tinha uma pluralidade de objetivos. Em primeiro lugar, a coordenação das economias dos países envolvidos como mecanismo de consolidar a posição dos estados germânicos e também de ensejar uma interdependência era vital para a manutenção do status quo. Além disso, a inclusão no mesmo bojo da força militar prussiana e do peso diplomático carregado pelos Habsburgo austríacos deixava a Confederação muito forte e evitava que a França a atacasse.

The 300-odd pre-Napoleonic states were combined into some thirty and bound together in a new entity called the German Confederation. (…) The purpose of the Confederation was to forestall German unity on a national basis, to preserve the thrones of the various German princes and monarchs, and to forestall French aggression. It succeeded on all these accounts. (KISSINGER, 1994)

Prússia e Áustria, os maiores reinos da Confederação, travavam entre si o Deutscher Dualismus, uma rivalidade política, militar e ideológica que tinha como pano de fundo a grande disputa pela hegemonia sobre o mundo germânico, e que teve início em 1740 quando Frederico o Grande invadiu a Silésia Austríaca de Maria Teresa e de fato conquistou aquele território em 1742, o que constituiu uma violação expressa de sua garantia de respeitar a indivisibilidade do território Habsburgo. Esse antagonismo permeou toda a existência da Confederação sendo ultimamente a razão de sua dissolução, em 1866. Ademais, alguns dos territórios que a integravam tinham como titulares monarcas estrangeiros, como o rei da Dinamarca na qualidade de duque de Holstein, o rei dos Países Baixos como grão-duque de Luxemburgo, e o rei da Grã-Bretanha que mantinha o Reino de Hanôver em regime de união pessoal, possuindo cada um seus respectivos votos na assembleia federal. Ainda que a composição da Confederação lhe legasse posição de destaque tanto em prestígio quanto poder militar, a variada matriz de interesses políticos que a populavam faziam de si uma entidade política dificilmente manipulável em favor particular de quaisquer de seus estados.

Na década de 1830 o governo prussiano deu início a uma série de reformas que tinham como objetivo reduzir a influência austríaca sobre a Alemanha e promover o fortalecimento dos estados germânicos contra a ameaça francesa através do fomento da industrialização e do estabelecimento de uma série de vantagens comerciais. Logo, a Prússia se lançou à concretização de uma união aduaneira que acabaria promovendo uma integração que se provou fundamental para a unificação que ocorreria quase quarenta anos mais tarde, tanto pelo fato de alicerçar o desenvolvimento industrial e econômico dos países que envolveu, quanto por efetivamente reduzir a dependência dos países menores da França e também mitigar a influência austríaca.

Ainda que o Zollverein tenha entrado em vigor em 1834, os acordos comerciais e aduaneiros que o fundamentaram foram sendo firmados de forma gradual, começando em 1818 quando a Prússia estabeleceu um novo sistema de tarifas alfandegárias (OHNISHI, 1973). Dentro dos anos seguintes, diversos países incrustados no território prussiano viriam tornar-se parte desse sistema.

At the same time other German station, especially in the south, begun to negotiate with each other about trade agreements. After years of futile negotiations Bavaria and Wuerttemberg went ahead and agreed in 1827 to form a customs union. Shortly afterwards Hesse-Darmstadt agreed to join the Prussian tariff system in 1828. In the same year most of the remaining states signed a trade agreement, establishing the Mitteldeutscher Handelsverein. In 1831 Hesse-Cassel left this agreement and joined the Prussian customs systems. After the Prussia-Hesse and the Bavaria-Wuerttemberg unions agreed in March 1833 to a merger by the start of 1834, Saxony as well as the Thuringian principalities joined as well. On the first of January 1834 the Zollverein came officially into force. Two years later Baden, Nassau and Frankfurt acceded. Over the next two decades Braunschweig, Luxembourg (1842), Hannover, Oldenburg (1854) became members as well. (PLOECKL, 2009)

Em verdade, o Zollverein foi o projeto prussiano que teve como objetivo servir de alternativa à mais ampla Confederação Alemã estabelecida pelo Congresso de Viena, através de que, com a exclusão da Áustria, Berlim poderia livremente projetar seu poder sobre um núcleo dos principados alemães que a interessava diretamente. O cuidadoso desenvolvimento desse mecanismo de coordenação econômica instrumentalizou a Prússia de forma eficiente para que se lançasse às empreitadas militares que afirmariam mais tarde sua hegemonia na Europa continental.

AS REVOLUÇÕES DE 1848, NACIONALISMO E RICHARD WAGNER

Em 1848, nos mais diversos países da Europa, estourou uma série de revoluções, pelos mais variados motivos, dando conjunto a eventos que vieram a ser denominados de Primavera dos Povos, e que permanecem registrados como o mais generalizado surto revolucionário na Europa. Aponta-se o envolvimento de cinco fatores: insatisfação geral com as lideranças políticas, demandas por mais participação no governo e democracia, demandas das classes operárias, o surgimento do nacionalismo e o reagrupamento de forças reacionárias baseadas na realeza, na aristocracia, no exército e nos camponeses (EVANS e STRANDMANN, 2000). As manifestações já haviam sido debeladas dentro de um ano da eclosão dos movimentos, tendo gerado resultados significativos como a abolição da servidão na Áustria e na Hungria, o fim da monarquia absoluta na Dinamarca, e o fim definitivo da dinastia dos Capetos na França.

If nationalism was one historic force recognized by governments, ‘democracy’, or the growing role of the common man in the affairs of the state, was the other. The two were the same, in so far as nationalist movements in this period became mass movements, and certainly at this point pretty well all radical nationalist leaders supposed them to be identical. (HOBSBAWM, 1996)

Na Confederação Alemã, assim como no Império Austríaco, as revoluções assinalavam marcado interesse pangermanista, enfatizando o descontentamento popular com a estrutura autocrática dos estados. Na Prússia as demonstrações exigiam do rei Frederico Guilherme IV a nomeação de um primeiro-ministro liberal e a adoção de um regime constitucional. Duas semanas após o início das manifestações o rei declara a integração da Prússia à Alemanha (GADACZEK, 2001). A Constituição prussiana viria a ser reformada para garantir a existência de uma câmara baixa legislativa eleita pelos contribuintes com base no nível de impostos pagos.

Em adição às ideias de revolução vindas da França, as composições de fundamento mitológico de Richard Wagner, que enalteciam o passado glorioso da Germânia, trazem ao contexto nacionalista alemão um importante elemento de atração das massas e mobilização de um sentimento mais generalizado em favor da unificação alemã. As óperas de Wagner, com suas valquírias, seus heróis e seus deuses, com seu impacto hipnotizante consegue associar às elites a burguesia e a população em geral, galvanizando os estamentos em favor de uma única Alemanha, e a característica dramática da obra wagneriana justamente nesse momento de revolução disseminada colabora largamente na sustentação do sentimento nacionalista.

A ópera de Richard Wagner pressupunha um povo alemão forte e unificado, o que pode ser observado em suas constantes menções a um “Império Alemão”, como no caso da ópera Lohengrin de 1848, mais de duas décadas antes da unificação do estado alemão. Esta vasta e potente obra musical tornar-se-á um verdadeiro bastião da liberdade e da união nacional na mão dos grupos pró unificação. (GHEDINI, 2005)

Em maio de 1848, o primeiro corpo legislativo eleito livremente para todos os estados alemães, o Parlamento de Frankfurt, se propôs a elaborar uma constituição única para a região (VERHEYEN,1999), o que fez acirrar a rivalidade entre Áustria e Prússia.

A “QUESTÃO ALEMÔ E AS GUERRAS PRUSSIANAS

No plenário do Parlamento de Frankfurt, no decurso dos debates acerca da unificação, viu-se nascer a “questão alemã”, que opôs, de um lado, a esquerda republicana que favorecia a “solução da Grande Alemanha” (Großdeutsche Lösung), e, de outro lado, o centro liberal que advogava a “solução da Pequena Alemanha” (Kleindeutche Lösung). Essas duas propostas materializavam o já mencionado Deutscher Dualismus, isso é, o permanente embate austro-prussiano (ELIAS, 1996). A ideia de Grande Alemanha previa a unificação germânica liderada pela Áustria, cujo prestígio e importância lhe conferiam as credenciais necessárias para comandar um processo dessa magnitude. Contudo, a característica multiétnica e multinacional do Império Austro-Húngaro, que compreendia alemães tão bem quanto eslovacos, tchecos, sérvios, húngaros e romenos que não desejam integrar uma unidade germânica, se tornava um entrave que contrariava a própria ideia de unificação “alemã” (KISSINGER, 1994). Além disso, essa solução importaria em um escandaloso rompimento da balança de poder afiançada pelo Congresso de Viena, e imediatamente estabeleceria o risco de guerra com a Rússia em função da absorção adentro de um império germânico das regiões eslavas sobre as quais os czares reivindicavam liderança.

Por outro lado, a noção de Pequena Alemanha ganha força à medida em que a própria Prússia propõe a exclusão da Áustria do projeto de unificação, e se apresenta ao debate como único estado exclusivamente germânico, e, assim, com todo o direito de liderar os países alemães. Nesse contexto, o Zollverein demonstraria sua utilidade ao permanecer na condição de instrumento de articulação econômica e comercial da região, através de que o Reino da Prússia, no comando da instituição imperial, estabeleceria as condições da circulação de bens entre a Alemanha e seus parceiros, consolidando sua dominação (GADACZEK, 2001).

Os trabalhos do Parlamento de Frankfurt caem por terra por dois fatores. Primeiro, em virtude das declarações das demais potências no sentido de que não reconheciam a constituição ali desenhada para uma Alemanha unificada. A Áustria o fazia porque não reconhecia a pretensa liderança prussiana sobre os príncipes alemães, a Rússia porque temia a força de uma Alemanha integrada, e a França porque via diminuírem as possibilidades de expansão para o leste caso houvesse um estado-nacional que englobasse a pluralidade de principados que a avizinhavam. E, em segundo lugar, porque o monarca prussiano Frederico Guilherme IV recusou a coroa imperial que lhe fora oferecida por acreditar que somente um colégio de eleitores como aquele que existia no Sacro Império Romano poderia lhe outorgar tal privilégio (CLARK, 2006). Assim, a despeito de outros esforços de Sua Majestade no sentido de tentar efetivar uma unificação, a Confederação Alemã permaneceu sendo a entidade existente.

Em 1863 a morte de Frederico VII da Dinamarca iniciou uma disputa sobre a sucessão dos ducados de Schleswig e Holstein, que eram reclamados tanto pelo sucessor dinamarquês Christian IX quanto por Frederico de Augustenburg, um duque alemão. Bismarck, no comando do governo prussiano desde o ano anterior, com apoio da Áustria, apresentou ultimato como reação à decisão do rei dinamarquês de anexar integralmente aquelas regiões à Dinamarca, exigindo que Schleswig fosse devolvido à coroa prussiana. Diante da recusa de Copenhague, Prússia e Áustria invadiram e, no final do que se denominou a Segunda Guerra de Schleswig, a Dinamarca foi forçada a ceder ambos os territórios. A Convenção de Gastein, assinada em 1865, transformou o território conquistado em um condomínio governado por Berlim e Viena.

No ano seguinte, a Áustria rejeitou o arranjo previamente estabelecido e exigiu que o parlamento da Confederação Alemã determinasse o destino dos ducados de Schleswig e Holstein. Bismarck, por sua vez, utilizou-se disso como pretexto para declarar guerra à Áustria, imediatamente enviando tropas para ocupar a região sob litígio (KISSINGER, 1994). Em 1866 a decisiva Batalha de Königgrätz deu a vitória ao Reino da Prússia e desalojou a Áustria de seu local no sistema internacional como representante dos países germânicos como um todo. A Guerra Austro-Prussiana removeu a ameaça dos Habsburgo contra os planos prussianos de exercer a hegemonia sobre o mundo germânico, e colocou os Hohenzollern, agora reassegurados, no comando da Mitteleuropa. Com a anexação de vários dos antigos aliados alemães da Áustria, Bismarck procedeu a dissolver a Confederação Alemã existente desde 1815 e substituí-la pela Confederação Alemã do Norte (Norddeutcher Bund), eminentemente protestante, que politicamente precedeu a fundação do Império, e tinha como objetivo contrabalançar a influência dos estados católicos ao sul, dentre os quais predominava a Baviera (HOBSBAWM, 1996).

Em julho de 1870 teria início a Guerra Franco-Prussiana, declarada pelo Império Francês de Napoleão III no esteio de uma crise sobre a sucessão na Espanha, cuja coroa havia sido oferecida a um príncipe alemão. Bismarck apoiava a decisão do governo espanhol, mas Paris temia por sua segurança caso se visse circundada por duas monarquias dominadas pelos Hohenzollern. Após a Batalha de Sedan, o imperador francês se rende às forças prussianas que então avançam em direção a Paris. A captura de Napoleão III causa o colapso do governo e do império franceses, dando início à Terceira República.

Em janeiro de 1871 Guilherme I Hohenzollern é proclamado Imperador Alemão na Grande Galeria em Versalhes, e o palácio que era o maior símbolo do despotismo esclarecido francês, incorporando o que representava a história monárquica francesa para a Europa e para o mundo, serviu de palco para o maior triunfo de seus inimigos, às custas da dignidade da própria França. O tratado de paz firmado então entre a nova República Francesa e o novo Império Alemão tinha importância redobrada, ao passo em que Bismarck havia garantido a entrega de grande parte dos territórios franceses de maioria alemã para o Império recém fundado, e a derrota da França, na prática, eliminava qualquer oposição à supremacia alemã.

REALPOLITIK E GUILHERME II

Kissinger define a Realpolitik como “a política externa baseada em cálculos de poder e de interesse nacional”, e foi essa política que, habilmente esgrimida por Otto von Bismarck, concretizou a unificação germânica e a fundação do Império Alemão, fazendo com que a monarquia Hohenzollern se tornasse o mais forte país da Europa continental.

Ever since the emergence of the moder state system in Richelieu’s time, the powers at the edge of Europe – Great Britain, France and Russia – had been exerting pressure on the center. Now, for the first time, the center of Europa was becoming sufficiently powerful to press on the periphery. (KISSINGER, 1994)

Como explicamos na introdução, a localização privilegiada da Alemanha no centro da Europa propicia a formação de diversas coalizões e movimentos de política externa que se destinam a conter a influência do estado mais forte que ali se localiza. A política bismarckiana desenvolvida até 1890 certamente conseguiu proteger o Império da ameaça de seus inimigos imediatos. No entanto, as próprias decisões tomadas no âmbito do governo alemão com esse objetivo serviram, na contramão, para ameaçar esses mesmo vizinhos. O paradoxo do estado alemão circunscrito à Mitteleuropa é justamente a necessidade de projetar poder no continente para demonstrar acima de qualquer dúvida que tem condições de se defender, e enquanto o faz aumenta a ansiedade das potências europeias a seu respeito (HASLAM, 2002).

Os eventos militares antecedentes à proclamação do Império, a saber, a Segunda Guerra de Schleswig, a Guerra Austro-Prussiana e a Guerra Franco-Prussiana, demonstraram que as apostas políticas feitas pela Prússia nas décadas anteriores haviam sido acertadas. A opção pelo Zollverein como projeto de integração econômica sob orientação de Berlim, com o intuito velado de anular a influência austríaca sobre os principais principados alemães havia dado tanto o fruto político desejado – o aumento da preeminência prussiana dentre os estados germanófonos – quanto havia ensejado o aumento da industrialização nos estados que tomaram parte do sistema de tarifas prussiano, lançando as bases para o poderio político e militar que escoraria a reta final da corrida pela unificação. Por outro lado, a vitória acachapante sobre a França ensejou uma desconfiança profunda e uma noção permanente de revanchismo que permeariam profundamente as relações franco-germânicas e seriam o coração do Tratado de Versalhes em 1918-19.

Bismarck buscou conciliar os interesses russos e austríacos na Liga dos Três Imperadores (Dreikaiserabkommen), em que o czar da Rússia, o imperador da Áustria-Hungria e o imperador da Alemanha estabeleciam um acordo consultivo sobre aqueles assuntos de interesses comuns, e que também servia para barrar a expansão de movimentos radicais na Europa Oriental. O objetivo do chanceler era interligar a diplomacia dos três países para que os embates entre Rússia e Áustria com relação às populações eslavas não lhe fugissem ao controle (SONTAG, 1934), e também para manter a Rússia ao alcance, evitando qualquer hostilidade direta com a Alemanha.

A coroação de Guilherme II como Imperador Alemão foi o ponto de inflexão na política interna e externa alemã. Desde os primeiros anos, o imperador fez questão de participar ativamente dos processos de tomada de decisão até então liderados por Bismarck. O rompimento entre chefe de estado e chefe de governo ocorreu finalmente em virtude da divergência existente com relação às políticas sociais implementadas pelo chanceler, em específico ao tratamento de mineiros grevistas em 1889. Bismarck pretendia sufocar os socialistas até que eclodissem revoltas violentas, ponto em que poderia usar a força para acabar com o movimento de forma definitiva. O Kaiser, todavia, não desejava marcar o início de seu reinado com derramamento de sangue. A piora nas relações entre os dois chegou ao ponto tal em que Bismarck se socorreu da rainha Vitória, pedindo-lhe que usasse de sua influência para amenizar o ímpeto de seu neto, o Kaiser. Incapaz de contornar as diferenças entre si e Guilherme II, Bismarck renunciou à chancelaria do Reich em 1890.

Em discurso, no ano de 1897, o então secretário alemão do exterior Bernhard von Bülow deu as linhas gerais da política alemã, afirmando que “com uma palavra, não queremos colocar ninguém à sombra, mas desejamos também nosso lugar ao sol”. A Realpolitik bismarckiana foi então substituída pela Weltpolitik guilhermina, inclinada a obter, a qualquer custo, reconhecimento internacional da Alemanha.

Beyond the slogans lay an intellectual vacuum: truculent language masked an inner hollowness; vast slogans obscured timidity and the lack of any sense of direction. Boastfulness coupled with irresolution in action reflected the legacy of two centuries of German provincialism. (KISSINGER, 1994)

O Reich então deu início a uma corrida naval que visava suplantar a Grã-Bretanha como potência marítima, em uma postura de deliberado desafio às potências que Bismarck tentara coordenar ao longo de trinta anos. Inglaterra, Rússia e França logo trataram de agilizar esforços diplomáticos para conter o esforço alemão de continuar a projetar poder sem no entanto calculá-lo. O processo de expansão da marinha alemã foi calcado no poder industrial do país e fomentado pela crença do Imperador de que o futuro do países estava no mar, gerando amplo apoio popular. O objetivo do governo alemão era construir um a frota que fosse dois terços o tamanho da frota britânica. No início de 1914, no entanto, a tonelagem britânica dobrava a alemã, o que demonstrava claramente quem havia vencido a corrida (FERGUSON, 1999).

A desagregação do Império Otomano na primeira década do século XX propiciou a expansão dos movimentos nacionalistas nos países balcânicos, e a expansão da Áustria-Hungria mediante anexação de territórios na Bósnia que efetivamente já ocupava, irritando a Rússia que tinha anseios de pan-eslavismo. Guerras sucessivas entre os países que se libertavam do domínio turco, a saber entre Bulgária, de um lado, e Sérvia e Grécia de outro, aumentando a instabilidade da região (KEEGAN, 1998). O ponto culminante da crise nos Bálcãs foi o assassinato do herdeiro austríaco, arquiduque Francisco Ferdinando, quando em visita a capital da Bósnia, Sarajevo, por um militante nacionalista sérvio de nome Gavrilo Princip, e a crise desencadeada nas semanas seguintes deu início à Primeira Guerra Mundial.

A rota de colisão traçada pelo governo alemão em oposição às potências periféricas foi consubstanciada através do apoio dado à iniciativa de guerra contra a Sérvia por parte da Áustria-Hungria. O efeito dominó implicado pelas relações diplomáticas trançadas em função do comportamento histriônico alemão nas décadas precedentes instantaneamente transformou o que de outra forma seria um conflito regional em uma guerra que envolveria, em um primeiro momento, todos aqueles estados que Bismarck havia conseguido envolver em sua rede de alianças e acordos, e, sem seguida, tod as principais nações do globo.

O chanceler Bethmann-Hollweg elaborou o Programa de Setembro (Septemberprogramm), que discorria sobre os ambiciosos objetivos alemães para a guerra. O estadista alemão almejava obter concessões territoriais no norte da França, inclusive regiões ricas em ferro e uma indenização de guerra bilionária; pretendia vassalizar a Bélgica e anexar Luxemburgo; pretendia criar uma zona colonial contígua na África mediante anexação de territórios franceses e belgas; e, por último, desejava aproximar a Holanda da Alemanha, ainda que sem manifestação de força. Esse Programa, no entanto, havendo recebido forte oposição dentro do governo, jamais entrou em vigor e nunca se fez qualquer esforço para concluí-lo.

Contudo, as pretensões exageradas do oficial máximo da administração imperial alemã refletem o sentimento belicoso de que estava tomado o Império, e demonstram um verdadeiro descolamento da realidade geopolítica da época e parecem, na verdade, atestar um certo nível de ignorância do chanceler com relação à situação do sistema internacional europeu.

CONCLUSÃO

O processo de afirmação do povo e estado alemão no século XIX responde ao anseio, repetidamente reprimido por forças exógenas, ao longo da história, de concretização do estado-nacional germânico. Joseph Nye nos auxilia a compreender o deslinde desses eventos históricos munindo-nos de três níveis de análise: o do indivíduo, o do estado e o do sistema internacional.

É impossível dissociar, portanto, o sucesso dessa empreitada, assim como sua derrocada, dos indivíduos que a conduziram do início ao fim. A onipresença, visão e sagacidade lendárias de Otto von Bismarck foram elementos-chave na condução dos negócios prussianos, usufruindo dos benefícios gerados pela união aduaneira posta em funcionamento em 1834 como mecanismo de projeção de poder sobre os principados alemães, chegando até o momento em que derrota diante de todo o mundo aquele que foi sempre o arqui-inimigo da Alemanha, a França, dando-lhe o golpe de misericórdia mais ousado de sua época, que foi a proclamação do Império Alemão, a realização de todos os medos franceses, conduzida em pleno Palácio de Versalhes. Da mesma forma, ao assumir a condução da política imperial, o inexperiente e ansioso Guilherme II gradualmente permitiu que se desfizesse o emaranhado de alianças e acordos e garantias secretas que o Chanceler de Ferro lhe havia legado e que sustentavam a frágil paz europeia. Ao desafiar abertamente potências como a Grã-Bretanha, e ao apoiar a Áustria-Hungria contra os interesses da Rússia, o imperador colocou seu país na marcha forçada para a guerra, e somente um grave erro de cálculo geopolítico pode ter lhe dado confiança de que sairia dessa situação vitorioso.

Passando ao segundo nível de análise, o do estado, enxergamos que configuração autocrática do Reino da Prússia permitia uma liberdade de ação no plano internacional que os países mais liberais ou democráticos não conseguem desfrutar por conta de depender da opinião pública para manter seus governos. A tradição altamente militar, que fazia da Prússia “não um estado com um exército, mas um exército com um estado”, de acordo com o visconde de Mirabeau, estabelecia toda as camadas da sociedade sob uma rígida disciplina e respeito às instituições nacionais, o que convergia a opinião pública geralmente na direção dos objetivos de estado. A contraparte prussiana, a Áustria, sofria de sua organização multiétnica e conflitos multinacionais, que dificultavam até mesmo a emissão de ordens militares, que precisavam ser escritas nos mais diversos idiomas para que toda a soldadesca pudesse compreender e obedecer. Os sucessivos golpes contra o prestígio dos Habsburgo deram corpo ao enfraquecimento gradual e permanente da Áustria, que foi evidenciado na surra levada da Prússia em 1866, que efetivamente lhe demove da posição de representante dos povos germânicos diante da comunidade internacional.

O sistema internacional também propiciou a fundação do Império Alemão. A Confederação Alemã, composta por aquela multitude de estados e impossível de se manobrar, causou na Prússia a vontade de procurar uma alternativa que lhe permitisse influenciar os estados alemães mais livremente, ao mesmo tempo em que coordenava os recursos econômicos e comerciais desses mesmos estados a seu favor, e a sucessão de crises domésticas na França, na Rússia, assim como na Ásia e na África, afastou o interesses das potências concorrentes na expansão cuidadosa da diplomacia bismarckiana.

Os eventos de 1871 e de 1914-18 são a conjunção de fatores de ordem interna e externa que narram a trajetória de um projeto político desde seus momentos mais fundamentais até seu convoluto fim. Essa parte da história alemã demonstra que a capacidade do estadista em observar e manipular em seu benefício os eventos no entorno do sistema internacional é, enfim, essencial para o desenvolvimento e manutenção do estado-nacional tanto quanto perceber com antecedência as vicissitudes domésticas e saber solucioná-las através da melhor equação política.

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EXPEDIENTE

KARL GUSTAV
Presidente do Instituto Wagner

FERNANDO DE VYŠEHRAD
Secretário Imperial de Relações Exteriores